domingo, 31 de agosto de 2014

Analisando "Soneto V", de Mario Quintana

Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.

Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola. . .

Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.

Ele trabalha silenciosamente. . .
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente. . .

(Soneto presente no livro "A Rua dos Cataventos")

--

Neste soneto, Mario Quintana apresenta a história de um menino doente, cujo sofrimento da doença se evai com a cantoria do carpinteiro. Na mesma rua, há um operário triste - o poeta - que compõe o soneto para a alma do menino triste. Mais um belo soneto de Quintana, onde expõe pequenezas do cotidiano humano em linguagem erudita, porém simples.

Analisando "Se eu fosse um padre", de Mario Quintana

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!

(Soneto presente no livro "Nova antologia poética")

--

Aqui, Quintana novamente usa de metalinguística para falar do seu ofício. Os padres usam dos discursos baseados em teorias bíblicas ou sermões falando de Deus e sua influência na vida terrena. Neste soneto, o eu-lírico acredita que isso não é necessário para transcender, para purificar a alma. Basta um poema, um belo poema, que segundo Quintana: "sempre leva a Deus!". Uma verdade celestial...

Analisando "Soneto I", de Mario Quintana

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...

Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...


Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!

(Soneto presente no livro "A Rua dos Cataventos")
--

O primeiro soneto do livro "A Rua dos Cataventos" é uma breve e bela reflexão do ofício do poeta: escrever. O poeta, neste soneto, é um paisagista do cotidiano, e aproveita suas palavras para colorir a realidade. É um belíssimo pensamento, afinal Mario Quintana brinca com as palavras e coloca seus questionamentos e idéias no papel. Somente um gênio faz jóias raras como essa. Esse gênio é Quintana.

Analisando "Cidadezinha cheia de graça", de Mario Quintana

Cidadezinha cheia de graça…
Tão pequenina que até causa dó!
Com seus burricos a pastar na praça…
Sua igrejinha de uma torre só.

Nuvens que venham, nuvens e asas,
Não param nunca, nem um segundo…
E fica a torre sobre as velhas casas,
Fica cismando como é vasto o mundo!…

Eu que de longe venho perdido,
Sem pouso fixo ( que triste sina!)
Ah, quem me dera ter lá nascido!

Lá toda a vida poder morar!
Cidadezinha… Tão pequenina
Que toda cabe num só olhar…

(Soneto presente no livro "A Rua dos Cataventos")

--

Neste soneto, Mario Quintana apresenta uma pequena cidade, com uma igreja, praça, animais, enfim, uma cidade de interior, muito característica no Rio Grande do Sul, por exemplo. O eu-lírico deste soneto não é daquela cidade, mas gostaria de morar e ter nascido nela. Aqui, Quintana traz características de sua biografia, pois nasceu no Alegrete, cidade que inspirou muito a sua obra.